quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A PRIMEIRA VEZ DA FERROVIÁRIA NO MARACANÃ


Fluminense 3 x 0 Ferroviária – 6 de março de 1960


A Ferroviária teve um desempenho magnífico no Campeonato Paulista de 1959. Pegou, mesmo, de surpresa, o mundo do futebol. Desenvolveu um futebol de bola no gramado, de pé em pé e em progressão, iniciando uma trajetória de vários anos de exibições primorosas, passando a merecer o título de Expresso Fantasma... pois vivia assustando os grandes times do futebol brasileiro.

Não só brasileiro, pois logo no ano seguinte, em 1960, como fruto de suas magníficas apresentações, a Locomotiva empreendia sua primeira excursão ao exterior, deleitando os apaixonados pelo futebol em outras plagas distantes, da Europa e da África. Chegou a ganhar, e bem (2 a 0) do grande time do Porto, que ostentava quase 50 jogos sem perder.

Pouco antes que isso acontecesse, ou seja, que o time partisse para a excursão, o campeão carioca de 1959, Fluminense, impressionado com o cartaz do clube interiorano, convidou-o para jogar no Maracanã e prontificou-se também a atuar em Araraquara.

Fluminense 3 x 0 Ferroviária – 6 de março de 1960


Aconteceria então, no dia 6 de março de 1960, um domingo à tarde, a primeira apresentação da Ferroviária no estádio do Maracanã. Maracanã que estava chegando aos 10 anos de existência, inaugurado que fora em 1950.

O resultado não foi satisfatório. Afinal, a AFE perdeu de 3 a 0 do campeão carioca, o Flu. Mas 10 dias depois, no jogo de volta, na Fonte Luminosa, o troco foi dado com requinte: a Locomotiva deslanchou e chegou aos 5 a 1 contra o tricolor do Rio.

Mais do que falar sobre o transcorrer da partida do Maracanã, interessante e curioso torna-se relembrar o que o técnico da Ferroviária, José Carlos Bauer, e alguns atletas afeanos falaram após o jogo, no vestiário, ao serem entrevistados por repórteres do jornal O Globo.


OLHEM SÓ A RESPOSTA DO BAZANI!!!
Bazani

Indagado sobre se o time jogou parecido com o que sabe, Olivério Bazani Filho foi logo dizendo:

- Que é isso, moço! Nem duvide de que a Ferroviária é muito melhor do que foi visto esta tarde pelos cariocas! Está bem que enfrentamos um grande quadro, armado e atuando certo. Afinal de contas, trata-se do campeão carioca, o Fluminense. Mas se o seu triunfo foi reconhecidamente justo, verdade também será afirmar-se que hoje não fomos mais do que uma sombra do que somos, como conjunto. Do contrário não teríamos alcançado o sucesso que registramos, no campeonato paulista.


ROSAN

 (teve choque com o atacante Valdo e feriu a cabeça, que sangrou bastante)
 Questionado por ter jogado muito fora da meta, argumentou:

Rosan
- Acho nada haver de mais acertado para um arqueiro que é alto como eu, do que atuar assim, fora da meta como atuei. Diminui-se muitíssimo os ângulos de chute dos atacantes, realizando-se intervenções que jamais seriam bem sucedidas se permanecêssemos no arco. Há, apenas, um ponto em que o estilo nos é sumamente adverso.

- Qual é?

- Apanha-se muito. Durante o certame paulista do ano passado poucos, mesmo buscando-se entre os atacantes, terão apanhado tanto quanto eu. Volta e meia leva-se uma ‘sobra’, como essa que levei hoje, no choque com o Valdo.

- E os três gols tricolores, Rosan?

- Considerei-os indefensáveis. No primeiro, ainda fiquei meio esperançoso de um impedimento, depois que livrando-se de mim Valdo passou para Wilson Bauru. Mas pelo visto nada houve. Os outros dois, francamente, também acho que não poderia mesmo detê-los.

- O time da Ferroviária é realmente bem melhor do que hoje se apresentou?

- Perfeitamente. Considero-o, inclusive, muito melhor. Convém não esquecer, entretanto, não ser todo dia que se tem pela frente um adversário assim tão categorizado como o é o campeão carioca.


AS EXPLICAÇÕES DO TÉCNICO BAUER

(Transcrição da reportagem de Bauer ao jornal O Globo)

Sempre simpático, velho amigo da reportagem, José Carlos Bauer recebeu-nos, agora, já em suas novas funções de técnico. E no mesmo vestiário do Maracanã onde durante tantos anos desfilou impressões sobre vitórias, empates e derrotas, como craque de primeira grandeza do São Paulo, do Botafogo e dos selecionados paulista e brasileiro, ele falou desta feita como treinador.

- Estranhamos tudo, meu caro. Até o clima e o gramado.

- Essa não, “velho”, você agora está querendo criar ‘um jogo novo’...

- Posso garantir-lhe que até isso eles estranharam. Eles, não eu, evidentemente.

E comentou, já então sério:

- Você sabe que todo quadro que chega ao Maracanã para atuar pela primeira vez sente-se diminuído, em relação à grandiosidade do estádio. É psicológico, os exemplos se multiplicam.

- E o Fluminense?

- Trata-se de uma equipe das mais poderosas do futebol brasileiro. Não foi à toa que se tornou campeã carioca e convém ressaltar, desde logo, que tem a dirigi-la um técnico de alta capacidade, Zezé Moreira, a quem conheço de sobra, é um nome respeitável e cuja capacidade de trabalho ninguém desconhece. Enfrentamos, portanto, um quadro nitidamente superior e que por isso mesmo venceu-nos.

Bauer procurou fazer justiça aos seus comandados:

- Vocês precisam vê-los atuar em casa. Mas não é somente em Araraquara. No Pacaembu mesmo esses garotos são uma sensação. E jogam muito mais do que exibiram aqui nesta primeira vez de Maracanã.


BAIANO, BAZANI E BENNY

O repórter colheu uma conversa entre o comandante de ataque Baiano e os componentes da ala-esquerda, Bazani e Benny.

- De tabelinha eu vi logo que a coisa não ia. E não foi, mesmo... – dizia Bazani.

- O pior foi que Amaral teve de cumprir a determinação de jogar recuado, para policiar um pouco Escurinho – retrucava Baiano.

A esta altura, Bazani desabafou:

- Ficamos reduzidos a Benny, que chutou quando lhe foi possível, resultando inútil. Quando o ideal seria que Amaral e Benny, os dois ponteiros, portanto, finalizassem todas as nossas investidas. Porque tentar infiltração pelo centro, à base de tabelinha, francamente, é perder tempo e nada mais, quando se sabe que na retaguarda tricolor sobra gente para roubar pela frente, pelos lados e por trás...



Benny:

- Chutei quantas pude. Os lances que foram para a esquerda sempre que favoráveis terminavam com chutes ou centros meus. Apesar de tudo, não logramos sequer o nosso tento de honra.


DIRCEU (médio-volante), muito comunicativo e desenvolto:

- Seria muita pretensão nossa deixarmos Araraquara na firme convicção de uma vitória sobre o Fluminense. Afinal de contas, vínhamos enfrentar o campeão carioca e logo no Maracanã, o que dificultaria ainda mais nossa tarefa.

- O tricolor possui uma grande equipe e principalmente um sistema defensivo complicado, complexo, mesmo, não permitindo infiltração de qualquer natureza, daí porque somos obrigados a reconhecer-lhe a eficiência.

- Se fosse outro time, com sistema defensivo normal, poderíamos inclusive ter sofrido os mesmos três tentos ou até mais ainda, porém, haveríamos de assinalar também vários gols. Mas esse bloqueio esquisito do Fluminense é um caso muito sério...

- Estranhamos tudo. Desde o gramado, que é excelente, porém menos fofo do que o nosso, até o próprio meio ambiente. Era o nosso primeiro jogo no Maracanã e naturalmente até esse detalhe terá influído, consideravelmente, no ânimo de todos nós. Posso afirmar-lhe isto: atuamos vários pontos abaixo daquilo que realmente somos capazes.
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As justificativas dos afeanos não foram meras desculpas. Tanto que, dez dias depois, numa quarta-feira à noite, no estádio da Fonte Luminosa, a Ferroviária deu um show de apresentação e devolveu a derrota com juros: goleou o Fluminense pela indiscutível contagem de 5 tentos a 1.

Aí, então, os cariocas puderam notar que não se tratava de falácia. A Locomotiva era mesmo um time forte, de futebol vistoso e contundente para os antagonistas.



Fonte:
Acervo de O Globo
Fotos: Museu da AFE; O Globo, Internet.

Elaboração, transcrição e edição: Vicente Henrique Baroffaldi e Paulo Luís Micali 

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