Houve um tempo em que o futebol paulista contava com cinco
times grandes. Além dos quatro atuais (Santos, São Paulo, Corinthians e
Palmeiras), tínhamos também a Portuguesa de Desportos. Os cinco viviam as
glórias das maiores conquistas entre os clubes profissionais de São Paulo.
Foi um longo período esse, até que a Lusa do Canindé começou
a declinar e deixou de ser considerada grande, embora continuasse simpática aos
olhos dos torcedores em geral.
Mas durante aquele
saudoso tempo de cinco grandes, houve também a história de um clube do Interior
que se infiltrou entre os poderosos e passou a ser considerado por muita gente
como o sexto time grande do futebol paulista.
Existiu fundamento para tanto? Os que o chamavam de sexta
força de São Paulo o faziam com propriedade?
Somente os fatos daquela época poderiam testemunhar a favor
dessa assertiva, e os fatos são os seguintes:
Em 1959, esse time interiorano terminou o campeonato paulista
em terceiro lugar. Em 1968, bisou o feito: terceiro lugar. Já mais à frente, em
1985, obteve a quarta colocação no Paulistão. Bem antes, em 1961, fora o quinto
colocado.
Mas por que o sexto
grande?
Seria porque esse clube conseguiu a sexta posição do
Paulistão nada mais nada menos que oito (!) vezes?
Oito vezes sexto classificado no maior campeonato estadual do
país! Um time do Interior... Nos anos de
1960, 1962, 1963, 1967, 1969, 1970, 1982 e 1993.
.................................................................................................................
Bruninho |
O já saudoso Bruninho (Bruno José Ópice de Matos), que
dispensa apresentação, dada a sua proeminência nas hostes grenás, costumava
dizer que a Ferroviária foi o primeiro clube-empresa do Brasil.
Por quê? Porque ela
era bancada pela EFA (Estrada de Ferro Araraquara). Os funcionários da
“Estrada” eram obrigados a ser sócios da AFE... e tinham as mensalidades
descontadas na folha de pagamento. Muitas locomotivas descartadas foram
vendidas e os valores apurados, repassados à AFE. Tão verdadeira era essa
particularidade de vínculo com a EFA, que a AFE só teve como presidentes,
engenheiros da “Estrada”, no considerável período de 1950 a 1965.
Em resumo, enquanto existiu EFA, existiu AFE forte. Depois
viria a FEPASA e a história passaria a ser outra: a Ferroviária deixava de
contar com o respaldo da instituição ferroviária.
O que aconteceu então?
Para se manter em bom nível competitivo, a agremiação foi-se
envolvendo em dívidas dado que o futebol se mostrava terrivelmente deficitário.
Como decorrência, a Ferroviária teve de sacrificar o seu
invejável patrimônio. Primeiro teve de se desfazer da valiosa sede social,
situada em pleno centro da cidade, na Avenida Duque de Caxias.
Depois foi a sentida perda da pensão de São Geraldo, onde os
jogadores se concentravam.
E finalmente o golpe mais sentido de todos: a perda da enorme
área em espaço nobre, na Fonte – que abriga um complexo esportivo representado
pelo estádio de futebol e pelo conjunto de piscinas olímpicas. Foi tudo
municipalizado. E poderia ter sido pior, se o espaço fosse adquirido por alguma
iniciativa financeira, habitacional, etc. Aí veríamos naquele local um
conglomerado de edifícios... e a Fonte Luminosa se resumiria à história.
Em diversas oportunidades a Ferroviária esteve a ponto de
cerrar as portas. Um dos grandes méritos de seus dirigentes foi impedir que
isso acontecesse. O clube tem uma trajetória ininterrupta de atividades. Jamais
parou, jamais pediu licença na FPF.
O estoicismo dos próceres grenás há de ser enaltecido sempre
que se contar a história da Associação.
No começo deste século,
a Ferroviária tornou-se S.A.
Desde então, um único percalço representado por descenso e
uma série de conquistas significativas.
Uma autêntica “volta por cima” foi empreendida pela
Locomotiva, que em 2015 chegou finalmente à consumação de seu mais ambicionado
objetivo: voltar a figurar entre os clubes da principal divisão do futebol
paulista.
A última vez que a Ferroviária atuou pelo Paulistão foi no
dia 05 de junho de 1996 – contra o Juventus, na Rua Javari. Um belo placar como
despedida: 3 a 3.
.................................................................................................................
Hoje é véspera da formalização da volta afeana à elite,
transcorridos quase 20 anos. Duas décadas!
.................................................................................................................
Vai longe o tempo em que o Expresso Fantasma metia medo nos adversários e se impunha, no
conceito de muita gente abalizada, como o SEXTO TIME GRANDE do estado de São
Paulo. Sim, o sexto time grande foi a gloriosa Ferroviária de Araraquara.
.................................................................................................................
Boa parte da torcida da Ferroviária não vivenciou os melhores
tempos e provavelmente nem conhece a extraordinária história da agremiação.
Isso não arrefece o ímpeto dos que, por uma ou outra razão, vertem sua paixão
clubística para a representante de Araraquara.
Dentro da nova realidade do futebol, um clube-empresa tem o
dever de pensar grande.
Devemos confiar e contribuir para que o melhor aconteça à
Ferroviária, e isso não se dará em decorrência apenas da atuação de um grupo
reduzido de torcedores seletivos. É preciso uma união de esforços, que só
acontecerá se todos se irmanarem e tiverem a humildade de reconhecer que a
Ferroviária não se realiza apenas com o empenho de algumas centenas de
torcedores fiéis. Ela precisa contar com os milhares de espectadores que se
fizeram notar na Fonte Luminosa o ano passado. Se possível, um bocado mais.
................................................................................................................
Oxalá em Diadema, contra o Água Santa, os afeanos iniciem uma
grande campanha no Paulistão... quem sabe fazendo lembrar aquela história
bonita da “intromissão” entre os grandes. Afinal, o torcedor tem o direito de
sonhar.
Foto: Bruninho (Ricardo Simões - Facebook)
Texto de Vicente Henrique Baroffaldi e edição de Paulo Luís
Micali